Após vários anos de reflexão, opiniões, novos sistemas, novas marcas, experiências estávamos a viver um mercado imobiliário bem alavancado em número de transações, valores de mercado constantemente ascendentes e tempos de absorção curtos, o cenário perfeito e muito apetecível para a obtenção de resultados positivos para a maioria dos profissionais da mediação imobiliária.
A recente crise sanitária originada pela pandemia do vírus COVID-19 veio colocar à prova mais uma vez a resiliência do nosso mercado que se vê perante desafios sociais e económicos únicos e a cigarra adormecida pelo mercado especulativo que fazia de certa forma lembrar os tempos áureos do final dos anos 90’ rapidamente constatou o que já dizia La Fontaine, que afinal o futuro será das formigas e não das cigarras.
Será que a atividade vai pagar os erros ou a inércia destes anos sempre a subir?
Ética, credenciação, legislação e afins. Todos se queixam, clientes compradores, clientes vendedores, agentes imobiliários, mediadores e outros profissionais e queixam-se de quê exatamente?
Não há respeito entre os profissionais;
Não há regras;
A lei tem demasiadas zonas cinzentas;
Já não há licenças para os agentes;
As licenças de mediação são demasiado permissivas e todos podem entrar na atividade;
Profissionais de outras áreas fazem mediação imobiliária e ninguém fiscaliza;
Os clientes não confiam e não se sentem seguros no valor do serviço e no valor da transação fornecidos pela mediação.
Desde 2011 até hoje as alterações feitas à lei foram feitas na base da permissão da atividade dos agentes, código de ética, nem vê-lo apesar das inspiradas e várias formações da NAR. A ausência de formação técnica obrigatória com cariz de certificação da atividade, deu origem a uma invasão de pessoas que se apresentam como profissionais sem qualquer certificação, nem grande orientação, tendo apenas as marcas que representam como referência e possivelmente o único apoio para uma possível evolução que está ao critério de cada pessoa, muitos acabam por se dedicar ao autodidatismo sem qualquer padrão, perceção ou referência. Perante este cenário, há que pensar que vamos entrar noutro ciclo bem mais rigoroso e exigente e infelizmente, sem a devida profissionalização do sector.
O mercado será mais uma vez o regulador cego e altamente pragmático, pura e simplesmente, não poupará quem não se souber adaptar, agilizar e mostrar valor.
Conhecimento, formação, treino e competência. Muito conhecimento foi passado, embora não tenha sido feito de forma muito organizada. Foi-se evoluindo ao longo dos anos, mas nesta fase, a formação já merecia ser sistematizada e credenciada, mais uma vez voltamos à legislação. Contudo a formação não servirá de nada se não houver treino e aplicação prática. Será preciso entender que a competência é uma consequência. Além de se trabalhar no: “o que fazer” e “como fazer”, será importante saber se as pessoas querem efetivamente fazer. Trabalhar o “porquê” e “para quê” urge para que os profissionais da área comecem a saber pensar de forma estratégica e organizada para poderem planear a sua atividade desenhando um plano no médio e longo prazo.
Serviço vs relação. Já vão longe as minhas intervenções feitas em pleno subprime português de 2009/10, onde já se falava no quão importante era a construção de confiança e credibilidade. O serviço prestado, que muitas vezes é inexistente ou posto em causa, já não é hoje a única chave do negócio. A relação vai imperar e quem ainda não percebeu que o mercado imobiliário é um mercado relacional, possivelmente já não ficará nesta atividade para contar a história de como será o final do próximo ciclo. Afinal é tão simples quanto isto: as pessoas fazem negócios com pessoas em quem confiam.
Tecnologia sim, não? Como e quando? Grande teste tecnológico este do COVID-19, a primeira reação: quase todas as Proptechs de Mediação Imobiliária não resistiram ao lockdown, no mínimo estranho. Quem é empresário de uma Proptech vai contradizer a minha afirmação dizendo no mínimo que é tudo normal. Não basta ter uma ideia iluminada e revolucionaria para ser adaptada e aplicada a um dos mercados mais arcaicos e resistentes como o da mediação imobiliária para ser um génio, no entanto, será necessário evangelizar todo o mercado e combater uma mediação bem implementada e relacional que permanece ativa, mesmo em tempos de COVID. Claro está a epopeia até poderá resultar, mas vai demorar tempo e o tempo vai consumir recursos financeiros e mesmo empresas com recursos financeiros gigantescos, não serão encorajadas para aguentar. A estratégia mais acertada será a das Proptechs se juntarem para apoiar a mediação como as Metasearch e outras inovadoras soluções que irão aparecer nos próximos tempos já estão a fazer. O agente/mediador competente vai ser aquele que incorporará a tecnologia à sua atividade, melhorando assim a sua performance e eficiência e proporcionando um melhor serviço ao seu cliente. A tecnologia demasiado à frente e não aplicável, muitas vezes contratada por curiosos e early adopters, não deverá ser considerada: “não trabalhe para a tecnologia, ponha a tecnologia a trabalhar para si”.
Partilhas, equipas e fusões. Quando o mercado é escasso em angariações, as partilhas deveriam aumentar para melhorar o serviço da mediação imobiliária aos clientes, mas muitas vezes acontece o contrário, a azafama de fazer o pleno, a subida nos valores da partilha de 50/50 para 60/40, são um clássico do mercado em alta que vivemos nos últimos anos. Mas o mercado está a mudar e se começar a ficar mais lento e mais difícil, iremos necessitar uns dos outros. as angariações poderão ser mais fáceis de obter, mas ao mesmo tempo, mais difíceis de converter em vendas efetivas. A partilha fará por isso mais sentido e voltará à equidade. As empresas que apostaram nos modelos de equipa terão vantagem competitiva e com algumas empresas a não conseguirem aguentar, fusões e incorporações poderão ser modelos a adotar, porque no fundo, ninguém faz nada sozinho.
Artigo publicado na revista IMOBILIÁRIO EM DIRETO, por Massimo Forte
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